quinta-feira, 16 de setembro de 2010

[Consegui recuperar este conto. Um dos meus preferidos. Os outros, foram, infelismente, deletados com o blog anterior.]



Palavras Que inebriam

Eu tenho necessidade de escrever. Eu preciso escrever. As palavras saem das minhas mãos, como o suor do meu corpo, esvaindo-se pelos meus poros. Meus dedos se movimentam com uma total autonomia, que dá medo. Eu não posso controlá-los. As palavras escorrem como água pelo teclado e penetram a tela, deixando um longo caminho de letras por toda a folha em branco. Em minutos, ela não é mais a mesma. Ela é tomada, sugada. Assim como minha cabeça. Minha cabeça fervilha também. Sofre por não conseguir acompanhar o movimento dos dedos incontroláveis. Eles precisam atuar juntos, como uma equipe. Meu corpo precisa trabalhar em equipe. Enquanto a mente fervilha de idéias e as mãos se mexem martelando o sensível teclado, minha pele se arrepia com o frio do ambiente. Começa a chover. Os dedos param, encolhem-se. Perdem a vidas por alguns segundos. As idéias somem. Pausam. A mente é invadida pela lembrança do cachorrinho na varanda, com frio. As pernas se enrijecem, e o meu corpo se levanta. As mãos tornam a vida, e seu trabalho agora é afastar a cadeira. Passo a passo, caminho até a porta da varanda. O amigo leal, o cão, me agradece com uma lambida molhada no rosto, e corre para deitar-se aos pés da escrivaninha. Dou uma risada e desvio a direção para o outro lado do vão. Meus olhos fitam a cama, onde ela está dormindo, envolta num lençol branco. A mente agora, se agarra na imagem da estranha. Pele morena, baixa estatura e cabelos negros, bem negros. A conheci nesta madrugada. Caminhei até a cama, onde puxei mais uma coberta, para protegê-la do cortante frio que a noite propunha. Dei um beijo em suas costas nuas. Tive vontade de me acomodar ao seu lado, mas apaguei o abajur. Decidir voltar a escrever. As idéias iniciais haviam sumido. Mas os dedos voltaram a ter vida própria, e acariciaram os meus cabelos ondulados e minha testa, talvez tentando exprimir algum pensamento. Me senti angustiada. Olhei pra tela do computador e li as três primeiras paginas. Lembrei do que estava escrevendo afinal. Eu preciso escrever. Minha mente precisa transbordar, esvaziar-se. Os pulmões incham, em forma de respiração. Mas, sem inspiração, nenhuma gota de palavra molha as teclas. O cursor de inserção do processador de texto pisca incansavelmente, a minha espera. Olho ao redor do quarto. O frio apenas aumenta. Resolvi tomar um café quente, bem quente para espantá-lo. As curiosas mãos passeiam dentro da gaveta da escrivaninha, em busca de um isqueiro, para acender o cigarro que já pousa em meus lábios. Ah, a primeira tragada! Tão prazerosa quanto uma hora de sexo. Os olhos se deleitam ao ver a fumaça flutuando, bailando pelo quarto. O café! Preciso de café! Apenas ao termino do cigarro. Fui até a cozinha. Preparei o café. Quente, forte, com pó no fundo da xícara. A cada momento a chuva se transforma em tempestade. Mais intensa. Tão intensa quando a minha necessidade de escrever. A fumaça do café se mistura com a do cigarro. Dançam juntas, e se perdem na luz da luminária da minha escrivaninha. Escrevo mais cinco linhas. Os dedos já não têm a mesma agilidade de antes. Tomo o café num único gole. Ele já estava morno. A janela se abala devido o vento forte da chuva. Num movimento instintivo, corro para fechá-la. A chuva me encanta. Os pingos molhando a janela, descendo como cascatas. Meus dedos percorrem o vidro embaçado, deixando-os úmidos. Umedecendo também meu esmalte vermelho, em minhas unhas curtas. O cheiro da terra molhada me entorpece a cada instante. Fiquei alguns minutos olhando o breu da noite. Senti os meus olhos já se acostumando com a escuridão, quando resolvi, voltá-los para o computador. Preciso finalizar o conto. É uma questão de honra. Há meses a fio que não vivia essa disritmia entre os meus dedos e minha mente. É frenético. Constante. Sim, eu desejo escrever. Eu necessito. O cursor mostrava-se convidativo. Meu amigo cão me olha descompromissadamente, fazendo um barulho característico de um cão. Percebo que ele também está tedioso. Acendo outro cigarro, e continuo a escrever. A chuva, agora se mostra constante, porém, menos intensa. Escrevo. Desejo amores, países, música, céu, mar, vida. Escrevo. Escrevo sobre isso. Sobre aquilo. Sobre o cachorro, sobre a chuva, sobre a estranha. Mas não sobre mim. Eu não me conheço. Não sei quem sou. Das tantas outras coisas, eu imagino, penso, idealizo. Sobre mim, nada. Nada é real. Nada é consistente. O que vejo sobre mim, são minhas mãos, minhas pernas, meu cabelo, meus cigarros. Tudo físico. Tudo à mostra. Mas, intrinsecamente nada sei de mim. Escrevo sobre isso Também. Sim eu escrevo! É sobre mim! Na verdade, eu sou aquilo que escrevo. Sou um cigarro, uma xícara de café, um cão dócil e amável, sou a chuva, uma mulher nua na cama, um computador sobre uma velha escrivaninha do século passado. Eu escrevo, sobre mim.




Rogéria Ramos.
Recife, 12 de Abril de 2010.


[é, faz tempo mesmo ;D]

2 comentários:

  1. Que lindo Rô
    gostei de mais; me mata de orgulho
    [fã numero 1]

    beijos best'

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  2. Caramba... Parabéns!! Também tenho necessidade de escrever... De esvaziar os meus pulmões, como exposto por você... Nossa... Me indentifiquei e isso é raro ein... Para compreendermos, não basta apenas entendermos, é necessário sentirmos... E eu senti o seu conto. Parabéns de verdade!
    Bju!

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Rapá, tu tem alguma coisa pra falar? Conversa ai ó... é nesse quadradinho branco. Aceito qualquer tipo de coméntário. Os construtivos, os destrutivos, os engraçados, os sérios. Se for em dinheiro, melhor ainda!